A comida da Matrix - Soylent 2.0



Você já ouviu falar do Soylent? Se não conhece, trata-se de um composto alimentar que se propõe a substituir as refeições de maneira a "eliminar" a necessidade de comer tradicionalmente, além de tornar absoleto atos como o de comprar comida, preparar os alimentos e, consequentemente, todos os utensílios, eletrodomésticos e apetrechos dedicados ao fim alimentício, que vai da geladeira (o produto não necessita de refrigeração) aos pratos e talheres (pode ser bebido na própria garrafa em embalagem reciclável).
Seu inventor, o engenheiro de software, Rob Rhinehart criou o alimento a cerca de um ano, pois achava que seu dia não era suficiente para as necessidades diárias de seu trabalho e pensou que, se eliminasse o tempo gasto nas refeições, isso seria saneado satisfatoriamente.
Apesar de aparentar ser uma ideia mirabolante, o produto tem tido aceitação no mercado e já está em sua terceira versão, chamada de Soylent 2.0. A Primeira versão era em forma de pó, a segunda com mudanças na composição o Soylent 1.5, mas ainda em pó, e esta última fornecida em garrafas com o produto pronto para beber. As duas primeira versões deveriam ser misturadas com água ou leite.
A proposta é que se tome cerca de 5 garrafas por dia, cada uma com 400 calorias e "todos os componentes nutricionais de que o corpo necessita" (perfazendo a necessidade diária de 2000 calorias) ao menos é o que promete a empresa Soylent Corporation. Aliás, vale dizer que a empresa já possui muitos investidores interessados que já acumularam mais de US$ 20 milhões no desenvolvimento.
No livro "Pegando Fogo - Por que cozinhar nos tornou humanos", seu autor Richard Wrangham faz uma brilhante análise de como o hábito de cozinhar influenciou a evolução do homem. Basta dizer que, segundo sua teoria, o ato de cozinhar conduziu o homem a mudanças não só alimentares mas sociais que abriaram as portas para o desenvolmento da inteligência humana.
A ideia reside no fato de que a melhoria na qualidade dos alimentos reduziu os custos metabólicos da digestão e o excedente calórico foi dedicado ao cérebro que aumentou de volume gradativamente. Assim, sem muito mais necessidade de ter que mastigar raízes e carne cruas por quase todo o tempo do seu dia e depois ficar horas digerindo-as, o homem primitivo conseguiu se dedicar a outras atividades, incluindo, as artes e relações sociais.
Os primatas atuais embasam a teoria de Wrangham. Os macacos que possuem redes sociais complexas consomem alimentos mais palatáveis e de digestão mais fácil, em contrapartida, aqueles que se alimentam de folhagens, raízes, cascas e sementes, de digestão extremamente difícil são menos desenvolvidos social e intectualmente. O trato digestivo destes primatas refletem a relação: quanto maior inteligência menor os intestinos e vice-versa.
Seria, então, o Soylent este novo patamar de evolução?
Não creio muito nesta hipótese por algumas razões. Wrangham explicou como grandes mudanças de paradigmas, como introduzir o cozimento e depois as suas técnicas, mudou o biotipo do padrão humano, contudo, estas mudanças foram gradativas e permitiram a adaptação do corpo às mudanças.
Após as grandes evoluções do corpo humano, nos últimos 10 mil anos, pelo menos, muito pouco foram as alterações corpóreas de nossa espécie.
Todavia, grandes novas mudanças externas impostas ao corpo foram concentradas nas últimas gerações. Como resposta a estas mudanças violentas e bruscas surgiram inúmeras doenças que assolam a vida moderna.
Acelerar ainda mais estas mudanças que o corpo humano, bravamente, luta para se adaptar não parece ser uma boa ideia.
Não, não é só o Soylent uma invenção humana de alimento que quebra um paradigma alimentar. Mudamos diversos alimentos para uma versão "melhorada" da natural. Tornamos o trigo algo tão diferente do trigo primitivo que Deus deve ter ficado ofendido. O trigo primitivo era colhido de uma planta alta como a do milho. Suas bagas concentradas e difícies de debulhar. Hoje, a planta é baixa reduzindo o gasto energético de crescimento de folhagens e caules "desnecessários", ficando a energia da planta concentrada nas suas bagas enormes, mas com grãos separados de tal maneira que as máquinas a colhem e separam os grãos facilmente e com grande eficiência, isso sem mencionar a grande produtividade, velocidade de crescimento e resistência a pragas nunca antes vistos em uma plantação de trigo primitiva. E o açucar moderno? O açúcar é tão refinado que o Brasil o extrai da cana e os Estados Unidos da beterraba, entretanto, o sabor é exatamente o mesmo: doce. Sacarose tão pura que é basicamente um produto químico e não um alimento. Temos diversos "Soylent" na nossa mesa diariamente.
Trilhar o caminho da praticidade, da lucratividade, da economia de tempo talvez não seja o melhor para o nosso corpo. As evoluções virão no futuro como tão bem mapeou Wrangham das evoluções do passado, mas devem vir em tempo hábil que possibilite as adequações a nossa tão maltratada e assustada carcaça.
Parcimônia é necessária. Talvez até algum retorno às raízes. Não se deve esquecer que nosso corpo ainda é o mesmo do, pelo menos, de 10 mil anos atrás. Ele está maluco com as mudanças impostas nas últimas décadas. Ainda somos os mesmos seres que comiam raízes mal cozidas, carnes de caça conseguidas a duras penas e assadas de vez em quando, além de frutos colhidos no mato na sua própria época. De repente, somos homens modernos, alimentando-se de comida que sequer precisa ser mastigada e dedicados essencialmente ao desenvolvimetno humano, ao pensamento filosófico e as artes. A ideia pode até ser boa e desejo isto para as futuras gerações, mas para a velocidade e amplitude de mudanças que estamos impondo, acho que só nos esquecemos de avisar o corpo. Ademais, para Wrangham comer não é apenas repor energias e concordo com ele. Comer é um ato social e prazeiroso, faz parte de nossa história e cultura. A nossa alimentação mudará assim como nosso corpo, mas que seja dado tempo para que a transição seja abosrvida de forma saudável.

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