Siga a borboleta branca - A escolha de Cypher
Independente de sua religiosidade ou religião, a Bíblia Sagrada pode, no mínimo, fornecer muito material filosófico a ser ponderado e, com o coração aberto, promover grande crescimento espiritual e pessoal.
Não pretendemos aqui discutir muito profundamente o significado de cada palavra, ou mesmo desmistificar traduções e interpretações específicas. Na verdade, carece-nos o conhecimento para tanto.Contudo, desejamos atiçar sua curiosidade e seu desejo de compreender cada vez mais das mensagens de um homem com uma sabedoria incomum chamado Jesus.
Queríamos, nesta oportunidade, falar sobre o evangelho de João, capítulo XII, que descreve os últimos dias de Jesus Cristo na terra.
Como homem, Jesus sente certa apreensão no coração pela chegada de sua hora final, mas firme ainda profere as seguintes palavras:
Na verdade, na verdade vos digo que, se o grão de trigo, caindo na terra, não morrer, fica ele só; mas se morrer, dá muito fruto.
Quem ama a sua vida perdê-la-á, e quem neste mundo odeia a sua vida, guardá-la-á para a vida eterna.
Se alguém me serve, siga-me, e onde eu estiver, ali estará também o meu servo. E, se alguém me servir, meu Pai o honrará.
João 12:24-26
Na primeira frase, Jesus deixa claro que precisa morrer para que se cumpra o seu destino. O grão de trigo deverá ser transmutado, morrendo, para outra coisa se tornar. Na essência, nada muda, já que tudo se refere a trigo, contudo, a modificação reside no esgotamento de uma etapa para o início de outra. É o rito de passagem que, muitas vezes, gera sofrimento, trauma ou dificuldades. Aqui fica bem retratado, nosso medo de mudar, nosso apego pelo o que está, em prejuízo pelo o que poderia ser. Somos resistentes a mudanças, mesmo que elas signifiquem uma provável melhora. Mas o que nos faz ter esse apego pelo suposto conforto do agora?
Vejamos o exemplo da lagarta e da borboleta:
Neste inseto maravilhoso ocorre o que os entomologistas - "palavrão" que designa os estudiosos dos insetos - chamam de metamorfose completa. Na metamorfose completa o inseto muda sua estrutura de uma forma inacreditável, alterando sua morfologia, com transformações biológicas radicais, pautadas no desaparecimento de alguns órgão e surgimento de outros. É como se o bichinho fosse transmutado em outra criatura totalmente diferente. Para fins de comparação, seria como transformar um vagão de trem em um planador. Veja que a lagarta é um bichinho pouco apreciado no jardim, não somente pela sua aparência muitas vezes repulsiva, mas também porque ela se alimenta com tanta voracidade que um pequeno grupo delas pode literalmente matar uma planta adulta, que acaba ficando sem folhas. Vale lembrar que estes bichinhos rastejantes são muitas vezes alimentos de pássaros e outros animais e, portanto, alguns de seus representantes desenvolveram armas e camuflagens sensacionais, como aparência de fezes, cores de advertência, pelos urticantes, características venenosas ou mesmo sabor amargo. Em suma, a lagarta tem a função primordial de comer. Comer sem ser perturbada e de preferência sem ser comida na sequência. Pode-se dizer que é uma boa vida para um inseto... ao menos é uma vida que muitos humanos gostariam de ter e, diga-se de passagem, muitos humanos realmente a tem.
Mas, como tudo que é bom dura pouco, em determinado momento, a lagarta sente um impulso de parar de comer e se fixar em um ponto protegido. Neste momento, ela sofre as primeiras transformações se tornando uma crisálida ou casulo. A partir daí começa a construção do aeroplano a partir das peças do vagão de trem. Ocorrem mudanças tão incríveis dentro daquele casulinho que jamais poderíamos descrever com precisão, mas as mudanças profundas vão desde asas que são criadas, pernas que são eliminadas, olhos que mudam e órgãos e sistemas inteiros que são reformatados e reconfigurados. Tudo que era de um jeito, literalmente, passa a ser de outro.
Surgida a borboleta, temos um inseto que nada mais guarda de semelhança com sua fase inicial de vida. A começar pela sua aparência mais leve, alada e fundada na reprodução. O que outrora era uma máquina de comer passa a ser um ser esvoaçante que se alimenta apenas de néctar de flores, busca um parceiro para cruzar e botar ovos. Vale dizer que as plantas que antes eram ameaçadas e devoradas pelas lagartas, agora são beneficiadas pela polinização inadvertida promovida pela busca de alimento das borboletas ao sugar o néctar de suas flores.
Se há um bom exemplo de mudança, esse exemplo realmente é da transformação da lagarta em borboleta...
O paralelo com os ensinamentos bíblicos aqui está retratado na natureza. Uma grande mudança implica em grandes transformações de várias vertentes. A mudança é interna inclusive. Troca-se uma aparente vida tranquila e parasitária em favor de um bem maior, que beneficia o sistema como um todo e não só a si mesmo.
O trigo deve morrer, a lagarta deve se metamorfosear e Jesus precisou ser crucificado em nome de algo maior, algo que beneficiou o sistema como um todo.
Mas ainda não respondemos a questão anteriormente colocada com clareza. O que nos faz ter tanto receio das mudanças afinal?
Se você fosse uma lagarta, talvez não quisesse se metamorfosear, afinal, comer,comer e comer algo que você adora, supostamente, deve ser tudo de bom. Acumular peso. Acumular valores dentro e para si. Engordar. Consumir sem pensar. Consumir sem se importar com mais nada. Consumir por prazer. Consumir por consumir. Se deleitar. Ter prazer sem parar. O que move a lagarta deve ser algo muito similar ao prazer. Claro, afinal não há como acreditar que a lagarta coma tanto e tão intensamente, achando o que come intragável e com sabor insuportável. Comer deve dar prazer a ela, sim, e não deve ser pouco se considerarmos que ela come incansável e ininterruptamente, até crescer dezenas de vezes seu tamanho ao sair do ovo. Ela come vorazmente e, muitas vezes, a planta chega mesmo a morrer, momento no qual ela muda para outra planta vizinha (e continua a comer sem remorso) ou vira casulo - se já é chegado o momento - ou ainda... morre. Que ignorância de vida, não é?
Será que não somos assim? Será que em algumas fases de nossas vidas somos lagartas? Será que não somos lagartas em algum setor de nossas vidas?
A despeito de seu reconhecimento como lagarta, é fato que muitas das coisas a que damos muito valor se baseia em sensações e prazeres rasos. São os prazeres mundanos. Talvez o mesmo prazer que move a lagarta. Apego pelo prazer de comer. Apego pelo acúmulo de dinheiro. Apego aos bens. Apego ao poder. Apego ao orgulho. Apego à aparência. Será que esse apego justifica nosso estacionar na fase da lagarta?
Na segunda frase do trecho de João citado:
Quem ama a sua vida perdê-la-á, e quem neste mundo odeia a sua vida, guardá-la-á para a vida eterna.
Nesta tradução que, convenhamos, chega até a chocar, parece que Jesus incentiva que você odeie sua vida, pois seu prêmio seria a vida eterna e, paradoxalmente, aquele que amar sua vida, perdê-la-ia.
Contudo, nada há de estranho se fizermos a interpretação segundo a vida da borboleta. Jesus ensina que nossa vida neste mundo é somente uma fase. Assim sendo, não deveríamos demasiadamente amá-la, pois isso resultaria em ser eternamente lagarta. Se apegar apenas aos prazeres produz uma vida perdida, vazia. Perceber que ainda somos lagartas equivale a nos tornarmos borboleta ainda nesta fase, prematuramente, como se a nossa planta fosse cortada. Ou morremos ou nos tornarmos seres alados. Odiar nossa vida neste mundo é ter consciência do todo e de nossa função maior para o sistema. Sem apego demasiado ao que é deste mundo.
Chegamos a ilustração fornecida pelo filme "The Matrix". Cypher é o exemplo típico de alguém que ama demais a vida na fase de lagarta. Apesar de ser um dos privilegiados despertos que lutam pela libertação da raça humana do jugo das máquinas, este abriria a mão de tal privilégio em favor dos prazeres perdidos do mundo criado pela matrix. Ele deixa isso bem claro, falando supostamente de forma irônica a Neo sobre o arrependimento de tomar a pílula vermelha, mas, na verdade, expressando seus sentimentos reais. Se pudesse ele voltaria com prazer ao mundo ilusório, mesmo ao custo de viver na ignorância de sua real escravidão e sem nada realizar de fato na sua vida. Ele escolheria sem pestanejar mergulhar mais uma vez na matrix apenas para ter de volta os prazeres carnais proporcionados pelo dinheiro e pela sua falsa vida.
Cypher, se tivesse conseguido seu intento, teria vivido uma vida vazia, ainda que rodeado de prazeres ilusórios. Teria sido lagarta por toda a sua "vida". Teria amado viver neste mundo mas, de fato, a teria perdido. Teria sido um grão de trigo que não brotou. Teria passado por esta vida e nada realizado, morrido e esquecido. Sua existência não faria diferença para nada e ninguém. Realmente, uma estranha ambição.
Em nossa vida, devemos buscar ser borboletas prematuras que despertam ainda na fase da lagarta. Mesmo a custa de prazeres deste mundo. Mesmo a custa de nossos valores viscerais. Uma borboleta pode fazer a diferença. Fazer a diferença nesta vida é melhor que uma vida vazia. Mesmo a custa de nossos desejos, mesmo a custa de nossas ambições. Seja uma borboleta. Agora.
Muito obrigada pela reflexão!
ResponderExcluirFico feliz que tenha lido! Eu que agradeço
Excluirfoi o melhor texto q eu li esse ano de 2018 mt obrigada!
ResponderExcluirNossa! E esse foi o melhor elogio que recebi por minhas mal traçadas linhas. Fiquei muito feliz, e espero que a mensagem lhe traga luz. Grato
ExcluirNossa! E esse foi o melhor elogio que recebi por minhas mal traçadas linhas. Fiquei muito feliz, e espero que a mensagem lhe traga luz. Grato
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