Discussão entre um anjo e um demônio
O demônio calmo e quase resignado suspira, cansado e muito farto daquele papo todo. Afinal, porque tinha ele que dar conforto, sendo ele próprio um agente do mal? Para às favas com tudo, afinal ele tinha mais o que fazer, aliás, queria curtir não fazer o que precisava fazer.
O anjo, por sua vez, estava irritadíssimo e seu semblante
não condizia mais com a imagem que se espera de um ser celestial. Na verdade,
aquele anjo fugia de qualquer estereótipo humano, mais verdade ainda, cabe
dizer, é que nenhum anjo correspondia a
qualquer descrição humana. Nenhum desenhista, escritor, escultor, clérico ou
herege jamais imaginou uma imagem próxima da realidade. O fenômeno se repetia,
como o esperado, com a figura do diabo...
Na verdade, tais entidades não possuíam matéria ou mesmo
forma. Não se comunicavam como nós ou sequer utilizavam qualquer forma linear
de comunicação ou raciocínio. Não sentiam o tempo como sentimos. Não possuíam
nossos valores. Não tinham nossos sentimentos. Não se moviam, contudo, não eram
estacionários. Sequer poderíamos dizer que simplesmente existiam, pois não é
bem essa palavra que definiria esses seres. Eram seres de uma essência tão
diversa de nosso conhecimento que nossa mente jamais poderia conceber e, se
pudesse, sofreria danos irreversíveis que nos condenaria a uma vida vegetativa
e feliz. Melhor supor que não existem. Tal como este relato e seus detalhes que
foram apenas materializados como uma versão inteligível de algo
incompreensível, uma tradução perene de algo tão absurdo que seria “inadequado”
para nossos sentidos.
O diabo com um olhar quase fraternal ficou em pé de braços
cruzados e a boca espremida. Depois balançou a cabeça negativamente e
balbuciou: - ok, ok, ok... Se for partir para a ignorância vamos parar por
aqui, nunca foi minha intenção magoá-lo e, considerando que não alcancei meu
intento, vamos dar por encerrada esse colóquio sem causa – levantou-se e
sublimou. O anjo sublimou, para nossos olhos, no mesmo instante. Reapareceram
em outro tempo e outro local. Agora não mais com formas definidas, o que dirá
vozes ou pensamentos. Comunicavam-se por variações de comprimento de ondas luminosas.
Notem que narro os fatos como se tivessem ocorrido dessa
forma para que o efeito final seja assimilável pela compreensão humana.
Absolutamente nada disso de fato ocorreu como descrevo mas ao mesmo tempo pode
ser assim posto como uma verdade absoluta, pois a despeito da essência ter
ocorrido, nunca esta foi exata e unicamente como eu tenho ferramentas tangíveis
para descrever.
Repare que estamos falando de anjos e demônios... Deus então
como seria? Nada melhor que nosso anjo e nosso demônio para explicar Deus.
Afinal os seres abissais e celestiais tem uma consciência que permite um
resvalo na essência de Deus. Digamos apenas que tal diálogo possa ser contado
através dessas figuras irreais não porque, de fato, não existem, mas porque
nossa mente não poderia vislumbrar ou compreender tal “conversa”. Com efeito,
para uma lesma ficaria difícil dar a consciência da existência das estrelas e
buracos negros mesmo havendo uma linguagem que elas entendessem...
- De forma alguma! Vamos resolver isso aqui e agora! Não me
faça evocar novamente os planos de terceira ordem ou precisaremos deslocar
novamente uma dimensão da realidade paupável? A nós dois foi concedido o dom da
dúvida para que cheguemos a uma conclusão e a ela chegaremos por bem ou por mal
– o anjo bravejou salivando.
- Meu nobre amigo, o dom da dúvida não nos foi concedido.
Trata-se de um castigo, ao menos aos meus olhos. Dessa forma, não tenho nenhum
compromisso ou dever, não se esqueça de que estou sendo punido...
- Engana-se vil criatura. Tudo tem uma razão. O atual
estágio de iluminação onde nos encontramos objetiva tão somente observar o
processo de algo nunca antes tentado ou experimentado.
- Parece-me, contudo, nobre companheiro de grilhões, que seu
ego se aproxima muito ao do humano. Abandone essas misérias mundanas eu lhe
peço.
- Sabes bem que não posso, a mim cabe esse cálice e não me
sucumbirei aos seus encantos negando meu propósito e minha missão.
- Missão? Agora ser cobaia é uma missão? Com relação a lhe
tentar, reafirmo, não ser essa minha intenção. Apenas estou cheio de ser um
rato de laboratório d’Ele... Tenho este direito, já que aqui me cabe o papel da
perdição e do insurrecto. Sinto muito por você nobre amigo que deveria manter
as aparências.
- Admite então que ele seja o Arquiteto já que o rotula como
um experimentador?
- Não disse isso, apenas afirmei que faço parte de uma das
peças d’Ele assim como é você... mas, ok, digamos que eu esteja caindo em sua
lábia e vamos concluir o experimento.
- O Grande Arquiteto com certeza tinha seus planos quando
nos presenteou com o dom da dúvida... apenas isso justificaria eu ter esta
sensação humana e insuportável de fé abalada... Mas a razão sempre será razão.
A minha existência atesta a existência d’Ele. Sou um ser intangível e de classe
diferente da humana.
- Se isso atesta a existência d’Ele o experimento é
inútil... pois é a existência humana a prova maior, visto ser esta uma frágil e perene
forma de vida quando comparada conosco...
Para mais filosofia, mitologia e religião:
http://www.matrixdecifrandoocodigonabiblia.vai.la
http://www.bibliotecadeteologia.vai.la
http://www.monstroseheroisrpg.vai.la
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