Filosofia da vida e da morte
O ano de 2016 mal começou e duas pessoas ligadas a mim já faleceram. Um primo querido nos primeiros dias de janeiro e um amigo, agora, no final deste fatídico mês. O primeiro de derrame cerebral, o segundo de enfarto fulminante. Nos dois casos não houve muito o que fazer. Um não era lá muito religioso, o outro um fervoroso temente a Deus. Ambos pais de família. Ambos com dois filhos ainda crianças ou adolescentes. Ambos com muito ainda para fazer. Ambos de repente e sem aviso. Ambos deixando uma legião de inconsolados. Ambos gerando um turbilhão de questionamentos filosóficos sobre a vida...
A morte vem para todos. Não escolhe credo. Não vê classe social. Não vê estado geral clínico. Situação financeira. Círculo social. Relações interpessoais. Cor. Idade. Maneira de viver. Sofrimento. Família. Amigos. Política.
Alguns a temem mais que outros. Muitos tentam explicá-la, entendê-la, justificá-la ou ignorá-la. Mas, de fato, dentre os crentes e descrentes, fica a desconsolo na maior parte das vezes. De fato, difícil dizer qual situação gera maior desconforto: ter certeza de nossa morte ou a incerteza de ver a morte dos que nos rodeiam. Literalmente, todos que nos rodeiam são elegíveis para seu abraço fatal, bastando o único pré-requisito: estar vivo.
Saramago, emérito escritor português, escreveu sobre ela, magistralmente, em seu cultuado livro "As Intermitências da Morte". Nele, retrata algumas consequências da ausência repentina da senhora morte, ao menos, segundo sua visão romanceada. De fato, se não existisse, talvez devesse ser inventada. Deus a criou, com certeza, fundado em uma necessidade premente. Qual é esta necessidade? Depende de sua religião. Na verdade, mesmo ateu, você encontrará função para a morte, muitas descritas na primeira parte do livro de José Saramago, tão detalhadamente. Uma dessas visões religiosas diz que a morte advém para que voltemos a fazer parte de Deus. Unindo-nos à Matrix Suprema se quiser comparar. Saímos da ilusão da vida "real" e despertamos para o consciência maior e única. Outras prometem uma vida melhor ainda que descarnados, contudo, em um plano existencial paralelo. Outras consideram esta vida a verdadeira ilusão e somente através do conhecimento supremo podemos vislumbrar a verdade ainda nesta vida, caso contrário, teremos que esperar como todos os outros. Outras religiões dizem que estamos mergulhado em um sonho e que integramos, temporariamente este sonho. Outras dizem que descarnamos, mas podemos voltar de outras formas ou mesmo visitar este plano por meio de estratégias, condições e situações diversas. Outros não acreditam em nada disso, atribuindo a vida uma existência intrinsecamente biológica, atrelando a consciência exclusivamente ao cérebro, que uma vez "desligado" finaliza a mente simplesmente e ponto final.
Pessoalmente, acredito em uma versão mais "Matrix" e surreal da vida. Admitindo que sabemos pouquíssimo sobre a vida, a morte, a mente, dentre tantas outras coisas. Sou religioso monoteísta. Assim, acredito em um Deus único, contudo, ainda tenho pouca fé nas religiões. Precisam ser trabalhadas em vários níveis. Talvez nunca se aperfeiçoem satisfatoriamente.
Talvez isso nem seja necessário, pois a fé independe disso conceitualmente. Minha crença se baseia em um sentimento pessoal. Pouco? bom, também em uma intuição inexplicável e, por vezes, até irracional, normalmente chamada de fé. Sim, fé, para mim, este sentimento de humildade que tento cultivar dentro de mim. Humildade em admitir que nossa racionalidade provoca uma arrogância que por vezes nos impulsiona para um entendimento da supremacia do corpo como senhor da mente e como obra perfeita, e sem autor, para compreender tudo que existe no universo. Arrogância para crer que unicamente o ambiente e suas condições geraram algo vivo para explicar tudo que existe e existiu, mesmo antes dessa própria vida ser moldada. Arrogância para crer que dentre todas as criaturas do universo somos a especial, a perfeita, a mais sábia que possui a filosofia mais atrelada à realidade. Arrogância para crer piamente que fomos moldado pela natureza para perceber seus meandros mais profundos, através dos sentidos necessários e suficientes para a tarefa. Arrogância para querer explicar o maior quando não entendemos sequer o menor. Arrogância para crer que nosso cérebro é a obra maior da racionalidade do universo e, portanto, suficiente para descrever toda a realidade.
Os ateus costuma afirmar que a fé cega e, admito, muitos a usam sem muito critério de forma a causar estes problemas. Contudo, acredito também que o materialismo absoluto cega de forma a criar uma sensação que beira a arrogância.
No fim, a morte fica a disposição de todos que se propõe a tentar entendê-la e, mais ainda, se compromete a encontrar todos, os crentes e descrentes no fim dessa jornada chamada vida.
Para os que acreditam no materialismo da vida pura e simplesmente, bom desligamento final. Para os que acreditam em algo mais, bom algo mais após a morte. Contudo, que isso, seja o que for, fique para um futuro bem distante. Aproveite a vida, cuide da saúde e viva bem em todos os sentidos.
Se a vida é um sopro, faça dela um assobio.
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