A Arrogância Humana e a Realidade - Mouse estava certo
Você acredita no que vê? Apostaria sua vida no que vê? Acredita no que ouve e sente? Poderia afirmar categoricamente que o que está vendo, ouvindo, sentindo e cheirando são de fato retratos fidedignos da realidade? Cuidado, pois tal afirmação pode revelar uma arrogância fora do comum. Não. Fora do comum não, porque esta arrogância até que é bem comum, diria até típica. Mas ainda assim, a resposta é de uma arrogância sem tamanho. Melhor assim. Por quê? Vamos pensar juntos:
Nossa essência reside no cérebro. Do ponto de vista de reconhecimento do mundo, é o cérebro o responsável por nossa noção de realidade. A palavra "noção" foi aqui bem empregada, já que tudo que consideramos realidade é, no máximo, uma noção dela. Já se pensou, outrora, que no coração residiam nossas emoções, mas não. O coração apenas reflete nossas emoções acelerando seus batimentos. Nunca foi a mãe de nossos sentimentos. No cérebro nascem nossas emoções, decisões, consciência, certezas e dúvidas. Pois bem, como nosso cérebro percebe a sua realidade?
Não precisamos pesquisar muito para concluir que apesar de acharmos saber com certeza o que é luz, na verdade, até mesmo ela é uma interpretação cerebral de ondas de energia luminosa. A luz incide na retina no fundo de nossos olhos e esta converte a energia luminosas em sinais elétricos que são conduzidos pelos nervos óticos, tal qual cabos de computador, para o interior do cérebro. Não poderia ser de outra forma pois os nervos são condutores similares a cabos elétricos e não a fibras óticas. Uma vez recebidos estes sinais elétricos, o cérebro monta uma imagem baseada neles e previamente mapeados pela retina. Repare que, apesar de termos uma imagem que supostamente corresponde ao mundo real, ela não passa de uma interpretação cerebral, já que o cérebro nunca recebeu a luz diretamente e nem seria capaz de traduzir a energia luminosa de qualquer forma - claro, supondo que isso trouxesse mais fidelidade a imagem captada no mundo real, o que também é um inferência. Então, as imagens que formamos no cérebro são falsas? Claro que não, afinal, se nossa imagem percebe luz e sombras, podemos nos deslocar para as sombras para nos proteger de uma insolação. Se percebemos um buraco durante uma caminhada, desviamos e evitamos cair. Se percebemos olhos brilhantes na penumbra, podemos supor uma fera prestes a atacar e fugimos. Aliás, esta efetividade dos olhos, que nos permitiram sobreviver no nosso mundo é responsável por toda a confiança que depositamos nestes órgãos tão caros e valorosos para um ser humano. Igualmente, confiamos nos cheiros, sons, sabores e texturas que nos permitiram evoluir a um ponto em que se notamos olhos na penumbra, temos dispositivos para iluminar e verificar se estes olhos eram de um tigre ou de um coelho, ou até mesmo matar facilmente o dono dos olhos com dispositivos que vão de arco e flecha a rifles automáticos de precisão, com visão noturna e mira telescópica.
Esse timing preciso e a perfeita correspondência de nossas imagens cerebrais com a realidade externa, nos induziu a dar credibilidade total a esses nossos órgão sensoriais (olhos), tanta credibilidade que qualquer coisa que não possa ser captado por eles, por si só, são de difícil aceitação e chegamos, muitas das vezes, negar sua existência, intuitivamente. A ciência, todavia, comprovou muitas coisas que estão além de nossos sentidos e nem por isso são menos reais. Os olhos captam apenas uma pequena fração do espectro luminoso, sendo que frequências superiores ou inferiores (ultra-violeta e infra-vermelho) são invisíveis para o ser humano. Qualquer ave nos supera tanto em quantidade de frequências quanto qualidade de imagens (gama de cores). Sons são captados também em um intervalo bem reduzido, sendo que os cães no superam facilmente, algumas raposas chegam a ouvir o som de pequenos passos de camundongo sob espessas camadas de neve para uma caça efetiva no inverno. No olfato então, perdemos para muitos animais, até insetos dão um show, como mariposas que sentem cheiro de seu parceito a quilômetros de distância captando pouquíssimas partículas de odor no ar - os chamados feromônios. Talvez o sentido humano que nos coloca, frente ao reino animal, em ponto de destaque seja o paladar, com nossa língua capaz de detectar nuances suaves de fumo, frutas cítricas e chocolate no retrogosto de um bom vinho tinto. Para nosso azar, o sabor talvez seja o sentido que mais está suscetível a interpretação cerebral, ou seja, talvez seja o sentido que mais nos engane se comparado com a realidade. Lembram-se da cena da refeição do filme The Matrix, quando Mouse questiona como um máquina sabe o gosto de um cereal famoso? Mouse levanta a possibilidade da máquina poder ter errado no sabor, sendo que o suposto sabor verdadeiro dele poderia ter sido algo como aveia ou até mesmo atum. Veja que para a máquina isso seria indiferente, contanto que os humanos entendessem o sabor daquele ceral como agradável, tal qual hoje seria uma tigela de sucrilhos açucarados para uma criança. Veja que o paladar tentou evoluir para que sabores agradáveis estivessem vinculados a alimentos que aumentassem nossas chances de sobreviver em um mundo escasso. Assim, sabores doces tenderam a nos atrair visto estar relacionados a alimentos coma alto valor energético e energia era fundamental para sobreviver mais um dia, nos dando forças para mais uma tentativa de caça ou busca por mais comida. Sabores amargos extremos, no geral, nos salvou de ingerir muitas ervas e raízes venenosas. Sabores salgados também nos agradava como forma de repor sais minerais fundamentais para manutenção e regulação corporal. Claro que hoje a indústria usa esta mesma percepção do que achamos bom e ruim para nos empurrar toneladas de alimentos açucarados (como os sucrilhos) e salgados (como doritos), enganando nossos cérebros progaramados em um ambiente inóspito para adorar tais sabores, mas isso é assunto para outro bate papo. A gordura sempre nos agradou pois, como o açúcar, forneciam muita energia aumentando nossas chances de sobrevivência. De fato, a gordura é essencial para o ser humano e deve fazer parte de uma alimentação saudável a despeito do que a indústria (alimentícia e medicinal), mais uma vez, em nome de boas vendas nos fez acreditar na tentativa de vender seus óleos de soja, margarinas e produtos light em geral, assunto para o outro bate papa que falei. O que queremos enfatizar aqui é que os sabores são interpretações cerebrais do que supostamente ampliaria nossa chance de sobrevivência em um mundo escasso de alimentos e com alta competitividade na sua busca. Alguns chipanzés, por poderem digerir tais coisas, comem raízes extremamente amargas, cascas de árvore, folhas e outras iguarias que matariam um ser humano de indigestão já na primeira refeição. Não preciso dizer que apreciam esta dieta, caso contrário, morreriam de inanição até porque não há outra coisa para comer em seu hatitat. Os abutres e urubus comem carne putrefata apenas pelo fato de que seus organismos suportam as bactérias normalmente frequentes nestes banquetes e, para não comerem torcendo os narizes, ou no caso, bicos, devem sentir prazer em comer, motivo pelo qual seus cérebros entendem o sabor de um bom bife podre como de sabor ininqualável. Veja que o sabor de carne podre para o urubu pode corresponder ao nosso sabor doce, ou talvez para eles a carne putrefata tenha sabor de caviar. Tanto faz, desde que o urubu coma a carne podre e sobreviva. Então, qual será o sabor real de um bom guisado de carne podre? O da nossa percepção ou a do urubu? Qualquer humano diria ser a do humano, claro. O leite materno gorduroso e levemente adocicado nunca foi rejeitado por um bebê. Você já viu um bebê gorfando e com ânsia de vômito depois de tomar o peito da mãe? Verdade, provavelmente já, mas não porque o bebê não gostou do leite... Ok, este não foi um bom exemplo.
Em suma, nenhum de nossos sentidos é confiável no que diz respeito em descrever a realidade, ainda que possa ser uma boa interpretação, ainda assim é uma interpretação vinculada com nossas necessidades de sobrevivência. Se fosse extremamente necessário enxergar em infra-vermelho para que sobrevivéssemos no nosso mundo, provavelmente, assim enxergaríamos ou estaríamos extintos. Por outro lado, para que enxergar tal frequência se pouco ou nada esta visão contribuiria para nossa sobrevivência? Alguem poderia dizer que uma visão destas pudessem criar humanos que poderiam caçar melhor durante a noite. De fato. Então porque não enxergamos assim. Creio que por uma questão de caminho evolucionário, talvez tenhamos descoberto o fogo antes de poder enxergar no escuro, talvez os humanos que começaram a enxergar no escuro foram extintos por se aventurar em regiões por demais escuras e morreram de um ataque de fungos que preferem escuridão... enfim, nunca saberemos.
Percebem com soa arrogante quando afirmamos, baseados em nossos sentidos, que sabermos o que vem a ser a realidade? Mesmo com ciência que nos forneceu um sexto sentido que ampliou nossa percepção e foi além, comprovando até mesmo outras dimensões matematicamente calculadas e confirmadas, mas inimagináveis para qualquer dos sentidos que conheçamos no planeta; ainda assim temos dificuldade em acreditar que nossa realidade é uma mera interpretação, uma boa interpretação, mas nada além disso.
Sim, talvez a questão não seja nem quanto a qualidade dos sentidos, mas da impossibilidade de perceber, por exemplo, outras dimensões. A percepção de tempo, uma dimensão, talvez seja uma miopia que todos os seres de nosso planeta tenham que nos faz, a todos, sentí-lo linear. Talvez esta sensação de tempo linear exista para nos proteger, e aqui incluo todos seres do planeta, de algum perigo que sequer possamos imaginar. Talvez a limitação de percepção, dimensionalmente falando, seria necessária para nos proteger de algo como se fosse ter olhos sensíveis em um mundo de luz intensa. Quem sabe?
Importante que saibamos agora como somos arrogantes quando munidos de talvez meia dúzia de sentidos limitados, bradamos que sabemos o que é real, o que é imaginário, o que existe, o que não existe, o que é possível e o que é impossível. Somos um apenas um cérebro, ainda que talvez o melhor cérebro do planeta, ainda assim um órgão confinado dentro de uma caixa óssea lacrada, sem acesso direto ao exterior. Somos um computador orgânico magnífico, mas que luta desesperadamente para interpretar diversos sinais elétricos de sensores - também magníficos - externos, da melhor forma possível e com a mais aproximação do que os sentidos estão percebendo, de forma a maximizar nossa chance de sobreviver, evoluir e prevalecer neste mundo.
Concluindo: Não, o que você interpreta como realidade não é a realidade de fato. Pode até ser bem próxima dela, mas provavelmente não é a realidade. Nossos sentidos foram desenvolvidos para nossa sobrevivência e é só. Sentimos o que precisamos sentir, nem mais, nem menos. Mas isso não é a realidade, ao menos, não em sua plenitude. Somos miopes para sentir o tempo e talvez outras coisas mais. Somos cegos para outras dimensões. Temos um cérebro brilhante, mas que com certeza também tem suas limitações. Se estas limitações estão abaixo do "hardware mínimo" para compreender a realidade, então talvez nunca saibamos o que é a realidade, ao menos neste nível de evolução, ao menos enquanto cérebros confinados em uma caixa óssea. Mas, quem sabe quando nos livrarmos ao menos deste corpo? Em outra vida, quem sabe? Porventura, em outros corpos. Se permitirmos ser menos arrogantes, talvez em outro hardware.
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