Caim e Abel - Por que Deus preferiu a oferenda de Abel?


Adão e Eva viviam no paraíso como coletores, mas ainda não caçavam, já que o direito à carne somente viria pós dilúvio, inciando com Noé e sua família. Fica bem claro que, a exceção de um tipo de fruto, podiam desfrutar de tudo que havia no paraíso. Não plantavam e não tinham criações para cuidar. Pelo visto, bastava esticar a mão para pegar, seja uma fruta, legume, verdura ou nozes.
Depois de fazerem a besteira de se alimentar justamente do fruto que Deus lhes proibiu de tocar, foram sumariamente expulsos daquele paraíso, o Jardim do Éden.
Deus então pronuncia a sentença a qual toda raça humana, ato reflexo, também foi condenada:

MALDITO É O SOLO POR CAUSA DE TI! COM SOFRIMENTO DELE TE NUTRIRÁS TODOS OS DIAS DE TUA VIDA. ELE PRODUZIRÁ PARA TI ESPINHOS E CARDOS, E COMERÁS A ERVA DOS CAMPOS. COM O SUOR DE TEU ROSTO COMERÁS TEU PÃO ATÉ QUE RETORNES AO SOLO, POIS DELE FOSTE TIRADO. POIS TU ÉS PÓ E AO PÓ TORNARÁS. (Gênesis 3,17-19).

Deus sentencia os incautos ex-moradores do Éden a se tornarem algo parecido com agricultores. Resume o ato de plantar e retrata todo o extenuante trabalho que tal atividade significaria.
Bem verdade que, depois da agricultura, muitos supostos benefícios imediatos foram criados, contudo, a custa de muito trabalho e labuta. O nível de nossa nutrição caiu em função da redução de variedade alimentar. Doenças de desajuste surgiram, já que nosso corpo não fora programado na maior parte de sua evolução para consumir tanto carboidrato. O excesso de energia de baixa qualidade fizeram surgir a obesidade, cânceres, problemas cardíacos doenças celíacas, síndrome metabólica e até cárie. Isso sem falar nos percalços que secas, cheias e períodos de mudança climática geram. Biólogos evolucionistas e criacionistas que raramente concordam, neste ponto não tem dúvida: a saúde dos seres humanos está em declínio desde então.
Segundo Jared Diamond, autor de Discover, cultivar o solo foi "the worst mistake in the history of the human race", ou seja,  em uma tradução livre "o pior erro na história da raça humana".
Voltemos aos filhos de Adão. Ao crescerem, se dedicaram a trabalhos ou "carreiras" diferentes. Caim se tornou lavrador, ele tratava da terra, semeava e colhia, trabalhando de sol a sol. Abel, por sua vez, se tornou pastor e, como tal, cuidava de suas ovelhas desde filhotes até o momento em que, tendo crescido o suficiente, eram mortas e consumidas integralmente. Claro que a atividade praticada não garanta que estes comiam necessariamente o que produziam, afinal, poderiam praticar escambo, mas esta hipótese é meio frágil.
Talvez Caim simbolize a transição do homem para a agricultura, se enquadrando perfeitamente na condenação (ou seria uma previsão?) de Deus. Abel, ainda que não represente a fase anterior de coletores, figura como uma etapa anterior ao da agricultura, ou seja, a fase da domesticação de animais para consumo e subsistência, já que seria mais fácil do que caçar. Ser pastor não prende Abel a um local, necessariamente, talvez eventualmente determinando uma busca por novos pastos e água, mas, definitivamente, ser pastor atribui muito mais liberdade quando comparado a um agricultor. Caim, contudo, na condição de lavrador, ficaria fatalmente preso ao lugar onde plantou suas sementes, protegendo-as de animais famintos, removendo pragas, regando-as quando necessário, revolvendo a terra até o momento da colheita, quando finalmente teriam sua recompensa na forma de carboidratos em um volume nunca antes visto. O pior é que este modo de vida o condenaria a entrar em um ciclo que o tornaria sedentário e refém das condições climáticas.
Gênesis relata que quando Caim ofertou parte de sua colheita, Deus não se agradou dela. Entretanto, quando Abel lhe ofertou uma de suas reses, Deus se mostrou claramente satisfeito. A situação acabou por despertar a inveja de Caim que culminou no fratricídio de Abel.
A Bíblia não explica por que Deus se decepciona com uma oferenda e se alegra com outra. Esse é um ponto muito debatido e controverso entre os estudiosas das escrituras. Afinal, supostamente, o consumo de carne sequer tinha sido liberado por Deus. Qual seria a finalidade de criar e domesticar animais se não fosse para o consumo? Assim, parece óbvio que Abel consumia sim a carne de seus animais e talvez até compartilhasse entre os seus. Isso não faria dele um pecador?
O doutor Daniel E. Lieberman no seu livro "A História do Corpo Humano" discorre sobre a transformação do corpo ao longo dos tempos e mudanças históricas. Liberman considera, e deixa isso bem claro, que talvez a agricultura não tenha sido tão positiva para o ser humano do ponto de vista de sua fisiologia e das imposições que tal cultura exigem.
A agricultura se apresentou como a solução para a fome, já que representava a garantia de energia farta e certa. Claro que nem sempre isso se mostrou verdade e não foram poucas vezes que quando algo falha no processo de plantar enormes períodos de fome se desencadeiam provocando mortes em massa.
Vale lembrar da Grande Fome Irlandesa, ocorrida em meados do século XIX, quando simplesmente mais de um milhão de pessoas morreram e outro milhão migrou. Tudo por causa de uma praga, mais exatamente um tipo de fungo o  Phytophthora infestans que afetou as batatas, a base da alimentação dos irlandeses. Detalhe interessante: a batata não é nativa da Europa, tendo sido levada apenas no século XVI dos Andes e das Ilhas Chilenas. Ela se adaptou tão bem que se tornou um importante alimento para muitos países europeus. Poderíamos dizer que a dependência extrema da agricultura ainda que tenha gerado energia para o sustento de muitas gerações, acabou por enterrar milhões de outros vítimas de pragas, secas e doenças associadas.
Sim, a agricultura exigia, além de uma labuta diária, um agrupamento de pessoas não apenas na família que deveria ter braços para trabalhar, mas exigia povoados para dividir as tarefas ligadas ao ato de plantar. Este conglomerados nunca eram muito salubres, gerando uma condição de vida infecta característica da idade média. Esta condição culminou nas famosas pestes - como a famosa Peste Negra - que também dizimaram outros milhares de pessoas.
Enfim, será que Deus acabou por preferir a oferenda de Abel, visto que esta proporcionaria uma vida melhor aos filhos de Adão e Eva? Talvez, se nossa cultura fosse predominantemente pastoreira, muitos menos teríamos crescido, mas talvez seríamos mais livres, sem o jugo da terra. Talvez fôssemos mais saudáveis, sem ter que absorver tanto carboidrato de má qualidade de hoje, reduzindo as nossas doenças modernas. Talvez, até os animais sairiam ganhando já que tudo se desenvolve e seria bem provável que teriam uma morte muito mais digna. Não preciso dizer que a natureza raramente reserva uma morte mais complacente. Os animais selvagens morrem de infecções, caçados, comidos vivos, com doenças, de inanição, de sede ou até devido ao excesso de parasitas. Muitas das mortes são lentas e dolorosas. O mundo essencialmente pastor talvez tivesse muito menos pessoas. O mundo carnívoro talvez pudesse ser mais piedoso para com os animais, paradoxalmente. O mundo carnívoro talvez fosse mais saudável. Assim, talvez Deus estaria mais feliz com nossas oferendas.


Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

A comida da Matrix - será que comemos algo muito diferente?

A comida da matrix - Alimentos Antinutricionais

Parábola da alimentação saudável