Planolândia - A Verdadeira Terra Plana


Nossa religiosidade sempre acaba se confrontando com nosso racionalismo. Muitas vezes, parece que crer em Deus acaba nos afastando da ciência posta. Não raro, por isso, vermos cientistas negando fatos bíblicos e crentes negando fatos científicos.
Atualmente, surgiram os auto denominados "terraplanistas", ou seja, aqueles que afirmam ser a Terra não uma esfera, mas uma superfície plana. Estranhamente, alguns de seus argumentos são relevantes e até intrigantes. Na outra ponta estariam os conservadores "globalistas" devotos da Terra-bola.
Eu creio em Deus e me considero bem racional. Como faço para conviver com este aparente conflito? Antes de explicar, tenho que contar uma história escrita há mais de um século atrás. Então vamos lá.
Assombroso como Edwin A. Abbott, um clérico inglês de século XIX, foi inspirado quando escreveu o seu "Planolândia - Um Romance de Muitas Dimensões" ainda em 1884. Escrito em plena época vitoriana, o conteúdo despretensioso do livro de Abbott é fantástico e acabou - dentre outras coisas, não sei se intencionalmente - a fornecer material para que você fortaleça sua fé em Deus. Ainda que pareça sarcasmo e ironia para alguns, particularmente para mim, Abbott forneceu a compreensão do que seria Deus do ponto de vista de nossos sentidos e noção de realidade.
No livro, um suposto mundo formatado em apenas duas dimensões, Planolândia, é habitado por criaturas que não excedem estas dimensões. Dado suas limitações físicas atreladas às dimensões de seu mundo natal, quando em um belo dia uma esfera visita Planolândia, um de seus habitantes surta e, mais tarde, tem sua vida toda modificada. Estamos falando do respeitável senhor quadrado. O pobre quadrado tem um vislumbre do que seria a terceira dimensão e atribui até certa divindade à inusitada esfera, além de mergulhar em um mundo conceitual totalmente novo e excêntrico.
Recriando a história de Abbott de uma forma mais simplificada, teríamos algo como o seguinte conto:
Era uma vez um círculo que vivia em uma folha de sulfite denominado Sulfitelância. Ela vivia tranquilamente até o dia que uma esfera flutuando sobre o sulfite, fala com ela. Ela diz algo como: "Olá criatura semelhante a mim!Como está passando?" Neste momento, o círculo se apavora e se esconde atrás de uma linha. A esfera diz então: "Por que você está tentando se esconder atrás desta linha?". Por sua vez, o círculo se assusta, pois estava certo de que se escondera satisfatoriamente atrás da linha. Neste momento, em desespero crescente e temendo por sua vida, o círculo pega dois arcos se posiciona entre eles e junta suas pontas de forma hermética. A configuração acaba fazendo com que se pareça para a esfera como um mal traçado olho desenhado no sulfite. A esfera, achando graça da ingenuidade do círculo lhe diz: "Até que ficou bonitinho, mas ainda posso te ver!" - neste momento percebe o pavor do pobre círculo - "Oh, você está tremendo, posso ver seu coração palpitando! Desculpe se lhe assustei. Não tive a intenção.". Nesta altura, o círculo entra em parafuso, pois aquela voz que vinha do nada também podia ver através das linhas, coisa totalmente impossível, pior ainda, parece até poder ver dentro dele. Sua mente se ensandece, afinal, se os dois arcos estavam perfeitamente justapostos, logicamente nada teria acesso a ele. Contudo, além de ser invisível, a "voz" tinha também ciência de sua localização e, literalmente, podia ver seu coração batendo, coisa que nem ele já vira antes.
Então, compadecida do estado de nervos em que deixou o senhor círculo, a esfera resolve pousar sobre o sulfite. A esfera, então, apoia-se sobre a folha, deformando-se levemente e, consequentemente, desenhando um círculo no papel, do ponto de vista do senhor círculo, claro. O círculo, que a esta altura já estava fora dos arcos, leva outro susto já que vê um outro círculo surgir do nada bem na sua frente. A esfera, personificada à imagem e semelhança do círculo, diz: "Olá, meu amigo, sou a esfera. Muito prazer". O círculo, ainda mais assustado, encostando em um dos lados do papel sulfite -  e quase saindo da folha de papel- fala rapidamente: "Masvocêsurgiudonada!! Como... como... como isso é possível?! Isso é algum tipo de magia? Você deve ser uma bruxa!". A esfera, ainda mais constrangida pelo mal estar provocado, pede desculpas mais uma vez e tenta se explicar: "Perdão, caro amigo, mas não, não sou uma bruxa. Eu estava aqui o tempo todo, não surgi do nada. Você ouviu minha voz, eu estava sobre você e agora estou "sentada" na folha onde é o seu mundo. Perceba que eu tenho três dimensões e você duas, e é por isso que você não me viu antes e eu podia lhe ver mesmo dentro dos arcos. Na verdade, posso ver você mesmo quando em sua casa e até mesmo dentro de você".
Passado o susto inicial e algum tempo de explicações depois, o senhor círculo, além de ainda não entender bem a noção da terceira dimensão, começa a crer na esfera. Todavia, essa crença era uma espécie de temor divino, a considerando um ser superior com poderes especiais, como a onipresença e onisciência.
A esfera então tem uma ideia. Pergunta para o círculo para descrever a Sulfitelândia. Ele diz que se trata de um lugar confortável, mas finito e limitado por quatro lados. A esfera então propõe fazer um experimento para provar que a percepção do círculo é limitada e a realidade sulfitelandesa é apenas superficial, literalmente.
A esfera volta a flutuar e, pegando uma das pontas do sulfite, a une a outra formando um tubo de sulfite. Feito isso, ela volta a pousar na folha, agora um tubo oco. A esfera pede ao círculo que caminhe até o sul, ou seja, o limite inferior de Sulfitelância. Prontamente, o senhor círculo convida a esfera a lhe acompanhar mas a esfera recusa. Resignado, ele passa a caminhar para o sul. Contudo, ele estranha, pois lhe parece que o caminho está consideravelmente mais longo. De repente ele se depara com a esfera e reconhece o cantinho onde mora. Confuso ele se volta para trás imaginando se ele, de alguma forma, tinha feito alguma curva ou desvio. Constata que seguira o caminho todo em linha perfeitamente reta e, no entanto, não apenas não alcançara o limite sul, mas voltara para o ponto de partida como se viesse do limite norte. O círculo fica atônito. A esfera então explica para o senhor círculo que, a despeito dele não sentir, ele não estava andando em linha reta mas estava andando em curva, pois ela havia curvado Sulfitelândia, unindo seus limites norte e sul. Com esta configuração, o mundo do círculo agora só possuía dois limites, o leste e o oeste. Claro que ainda mais do que antes o círculo não entendeu nada e começou a seguir a esfera, a despeito de sua recusa, como sua nova Deusa. Contudo, percebeu como seus sentidos eram limitados, bem como sua noção do que era realidade. Deixou de ser tão materialista, doou parte de seus bens para polígonos menos afortunados, principalmente para os mal afamados quadrados e triângulos (polígonos de poucos lados e portanto estigmatizados) e até mesmo polígonos obtusos.
A história criada por Abbott ilustra bem como nossa noção de realidade é atrelada a nossos sentidos. E isso é mais verdade quando falamos de outras dimensões. Matematicamente é sabido que existem outras dimensões que, infelizmente, não percebemos por, talvez, uma limitação sensorial humana. É bem verdade que não poderíamos conhecer a quarta ou quinta dimensão uma vez que não temos os sentidos adequados para percebê-los. Isso nos dá uma noção particular e limitada da realidade.
Talvez isso limite nossa capacidade de compreensão das coisas de tal forma que nos impeça de conceber como as coisas são de fato. Deus pode nos ter feito a sua imagem e semelhança, mas não a sua perfeita imagem e plena identidade, assim como a esfera viu semelhança no círculo.
Em suma, nossa realidade é pura ilusão. E como toda ilusão, há lacunas, distorções, imprecisões e toda a sorte de incongruências. Ainda mais se comparada a realidades alternativas.
Nossa incapacidade de conceber conceitos da física quântica pode ser uma dessas limitações. Somos planos e dificilmente entenderemos uma esfera.
Quando há uma aparente inconsistência na nossa realidade, talvez isso só comprove que esta não é a versão mais completa do modelo. Talvez haja de fato incongruências quando consideramos o planeta uma esfera, mas estas incongruências podem ser uma distorção de nossa realidade e concluir que ela seja plana possa ser tão irreal quanto ela ser uma esfera. Conceituar a gravidade, o universo, a mente, a alma, o átomo e a criação da vida talvez sejam campos onde há exigência de conhecimentos 3D quando somos humildemente 2D.
Não é arrogante considerar Deus um ser infinitamente superior e ficar indignado quando suas palavras não se encaixam na nossa realidade 2D? Querer compreender algumas coisas baseadas na nossa realidade e sentidos pode simplesmente não ser possível.
Hoje creio que a Bíblia não possui fatos errados, mas fatos interpretados e descritos segundo nossa limitação. A ciência, obviamente, segue a mesma linha. Einstein queria, arrogantemente, conhecer a mente de Deus. Outros, arrogantemente, buscam negar sua existência. Negar a Deus baseados em nossa realidade é algo como se nosso querido senhor círculo pudesse negar a existência da esfera, baseado em seu conhecimento.
Deus talvez tenha nos pedido humildade para que possamos segui-lo em paz. Todo aquele que, pretensiosamente, tente negar sua existência, autoridade e superioridade baseado em seu conhecimento, sabedoria e capacidade é algo conceitualmente ilógico. Veja que, independente de sua fé, você conceitue Deus como algo de uma superioridade infinita, como lhe seria concedido negar este ser? Tal qual uma lesma não pode entender física, o ser humano nunca poderá negar seu Deus. Aquele que o faz não comprova sua inteligência, racionalismo e superioridade mas apenas ilustra claramente sua incoerência.
Voltando ao conflito da Terra Plana, Deus deve achar engraçado a briga dos "terraplanistas" e "globalistas" que tentam explicar,cada um com seus argumentos débeis e irreais ser a Terra uma bola ou um prato. Ele sabe a resposta e esta resposta, como muitas outras, não nos foram concedidas compreender. Mas creio que Deus aprove nossas tentativas. Bons estudos.


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