Parábola da alimentação saudável


Seu corpo é muito inteligente, moldado em um ambiente sem supermercados, McDonald's ou barraquinhas de Donuts e Pretzels. Se assim não fosse não estaríamos aqui hoje. Nascemos na adversidade e cada função celular nossa foi forjada na sobrevivência e na escassez de um mundo sazonal e rigoroso, no que diz respeito a sua oferta de alimentos. Os restaurantes com refeições suntuosas composto de vários pratos, sobremesas de mousses super macias e açucaradas, vinhos finos, drinques artísticos e sucos fartos são a exceção. Nosso corpo estranha muito isso tudo.

De fato, esse nosso ambiente super confortável de hoje é que é uma novidade traumatizante para o nosso corpo. Comer esta quantidade enorme de quitutes é estranho. Ter esta disponibilidade de alimentos é estranho. Comer até se fartar é estranho. Comer frutas e sucos na quantidade que desejarmos e independente da época é estranho. Comer muito de manhã é estranho. Comer tanto carboidrato com ênfase nos açúcares é estranho. Ficar estático no celular ou computador por tanto tempo é estranho. Dormir tão pouco é estranho. Ter luz, tal qual a luz do sol, até altas horas da noite é estranho. Estar mergulhado em tanta poluição eletromagnética é estranho. Não tomar longas horas de sol é estranho. Não precisar correr é estranho. Utilizar tantos antibióticos é estranho. Usar tantas drogas para qualquer distúrbio que soframos é estranho. Usar tanta roupa e sapato é estranho. Tanto estímulo visual é estranho. Tanto ruído é estranho. Comer tantos conservantes, estabilizantes, corantes, emulsificantes e outras "maravilhas" da indústria é estranho. Em suma, nosso corpo que passou milênios e milênios se adaptando a um mundo natural, no último século, principalmente, caiu num mundo estroboscópico e psicodélico e está tendo que se adaptar rápido para poder sobreviver. Convenhamos, ele está sendo heroico, mas convenhamos também que ele não está indo tão bem. Note os males modernos que nos assolam. Afinal, seria como se nosso corpo tivesse sido treinado para sobreviver no deserto por cinquenta anos e, no teste final, e por um dia, jogamos ele em uma selva tropical. O resultado da prova? Veja você a quantidade de doenças que se proliferaram pelo mundo, tais como diabetes, obesidade, síndrome metabólica, câncer, escleroses, depressão, cardiopatias, distúrbios digestivos, insônia, paranóia, envelhecimento prematuro, doenças autoimunes...

No início, comíamos o que encontrávamos no caminho. Acordávamos de manhã bem cedo e graças a nossa temperatura corporal constante, mesmo no frio intenso, tínhamos força para empreender longas buscas. Assim fazíamos e, ao final de um dia de sorte, geralmente ao entardecer, nos reuníamos e consumíamos o que havíamos coletado e caçado. Pequenos animais, algumas sementes, talvez algumas raízes secas e eventuais frutos silvestres, com muita sorte (e a custa de muitas picadas) algum mel. O raro alimento teria que ser consumidos ainda durante o dia, já que a noite tudo era mais difícil, inclusive a sobrevivência. Raramente dávamos sorte, por exemplo, conseguindo encontrar um grande animal recém morto por algum predador; nestas ocasiões, enchíamos a barriga, dando preferência aos órgão internos cheios de vitaminas e minerais e, obviamente, à gordura. Assim, gordura e proteína eram muito valorizadas. Depois, recolhíamos alguns pedaços e fugíamos antes dos carniceiros, muito mais fortes que os humanos, surgissem. Às vezes tínhamos sorte na caça. E os carboidratos? Bem, haviam dias em que encontrávamos árvores frutíferas - diga-se de passagem, com frutos muito menos doces que os de hoje - momentos nos quais nos fartávamos e levávamos tudo que podíamos carregar. Afinal não estávamos em condições de dispensar nada. Mas carboidrato era raro, muitos animais o disputavam com sua força e agilidade superior. Ademais, na mesma medida dos animais, as plantas também tinham recursos para se defender. Muitos foram envenenados e intoxicados. Apenas o tempo nos presenteou com a resistência a certos venenos vegetais, assim como nos projetou para consumir com grande eficácia as gorduras e proteínas. Assim, nos adaptamos melhor à gordura e proteína, tanto que é a gordura que armazenamos para épocas de escassez e a proteína pode ser quebrada em carboidrato, se necessário, mas a recíproca não é válida. Por isso, existem gorduras (ácidos graxos necessários) e proteínas essenciais (aminoácidos necessários), porém não existem carboidratos essenciais (em tese, são dispensáveis, desde que suprida a necessidade dos dois primeiros). Mas naquelas épocas de escassez, o corpo não poderia dispensar o valioso carboidrato, criando um dispositivo que poderia utilizar a glicose gerada por ela como fonte de energia. Nosso corpo aprendeu a criar um hormônio chamado insulina para introduzir este combustível no interior das células, ainda que não sem algum prejuízo para o sangue que era parcialmente lesado pela própria insulina circulante. Mas a perda era aceitável. Naquela época, uma estratégia de sobrevivência com risco calculado...

Daí veio o fogo, e com ele muitos vegetais puderam ser consumidos. Venenos eram abrandados possibilitando seu consumo com certa segurança. A carne pode ser mais facilmente consumida e seus nutrientes mais eficientemente absorvidos. Claro que os resíduos da queima, potencialmente venenosos, fizeram suas vítimas por milênios. Mas hoje, somos resistentes, consideravelmente, a estes compostos da combustão, graças a estes heróis. Tudo isso sem contar o aumento da segurança, conforto para falar o mínimo. O fogo nos moldou tanto quanto a escassez. Reduziu nossos maxilares que podiam comer alimentos mais macios. Encurtou nosso tubo digestivo, agora não necessário para digestão de alimentos tão duros, fibrosos e intragáveis. Agora, o carboidrato não precisava ser arrancado das fibras vegetais indigestas na base da mastigação e digestão sófrega. Era o início de um novo desafio: a adaptação do carboidrato em maior quantidade. Talvez neste momento que adquirimos a maior parte de nossa tolerância ao carboidrato. Mas ainda éramos essencialmente carnívoros.

Com o advento da agricultura, outro choque o corpo levou. Agora o consumo de carboidratos passou até a superar o consumo de proteína animal. Mas, em compensação, o carboidrato era consumido em conjunto com muita fibra, pouca frutose (apenas a natural) e suas proteínas associadas e naturais. Nosso corpo aumentou a sua resistência à insulina e aprendeu a usar mais glicose, mas já com algum custo a saúde. Agora, o consumo de grandes quantidades de carboidratos poderia ser chamado de alimentação boa e desejável , já que permitiu nosso sedentarismo e o aumento do número de filhos. Estes agora eram muito desejáveis para ajudar no campo. Vale lembrar que isso induziu a vilas fétidas e insalubres da idade média e, por que não citar, às grandes pragas, pestes mortais e cíclicas fome em massa consequentes, mas isso já é outra história...

Mas, mais recentemente, surgem os tempos modernos com as indústrias e seu talento no refinamento dos alimentos na sua "essência". Este baque considerável é o que enfrentamos hoje. No meio do processo da adaptação do corpo humano à agricultura (ainda incipiente), surge a indústria, tal qual numa batalha medieval onde uma imensa cavalaria (indústria alimentícia) surge no meio da guerra entre duas infantarias lutando de igual para igual (ou quase justa). A cavalaria está fazendo a diferença. O corpo não está conseguindo se adaptar a tanta força militar "carboidrática". Nossa cruzada hoje, em favor do corpo, roga por bloquear esta cavalaria que impõe, neste momento, uma guerra desigual e covarde, já contabilizando milhões de mortos.

Mas vamos sem mais delongas a nossa parábola alimentar.

Imagine então que somos uma cidade numa região gelada e em plena nevasca mortal. Nossas células seriam as casas dessa cidade bucólica e os corpúsculos celulares a mobília ou até alguns dos seus habitantes, lutando para manter cada casa salubre e quentinha para si. De tempos em tempos os moradores saem para pegar lenha (gorduras) e papel (carboidratos). Este material é necessário para  uma lareira que não pode parar de arder, sob pena dos moradores, móveis, utensílios e até o gato de estimação congelarem sem nada mais poderem fazer além de definhar (inanição celular). O que usar e o que armazenar para dias piores? Dado que a casa está gelada e o papel é de fácil combustão, eles decidem pela queima de papel. Ao jogar o papel na lareira, a chama sobe rápido e os aquece de forma intensa mas, desafortunadamente, apenas por breves momentos. A chama logo se abranda, baixa e dá sinais de extinção. Alarmados, os moradores correm desesperadamente para jogar outras resmas na chama. A ação gera uma explosão de calor, mas igualmente a anterior, logo se reduz, o papel é rapidamente consumido. A ação se repete sucessivamente, o que mantém o calor efemeramente, mas a custa de atividade incessante dos moradores que mal podem descansar. Se torna extenuante manter aquela chama de papel acesa. Alarmes e estratégias para buscas constantes de papel para manter níveis seguros de estoque são criadas para garantir a chama exigente (fome).

Alguém lembra da lenha, mas, em consenso, não nos atrevemos a jogá-la no fogo, afinal esse suprimento que garantiria nosso futuro caso escasseie o papel - este por sua vez já garantido pelos constantes alarmes de fome que resultam em chuvas de papel nos campos. A combustão da gordura é mais duradoura, mas também mais complicada, assim lhes parece que o melhor é armazená-la (gordura localizada). Os previdentes moradores resolvem então que enquanto houver papel chovendo como neve, após os alarmes de fome, não usarão a lenha. Mas, o papel queimado resulta em um monte inacreditável de cinzas e fumaça preta que emporcalha toda casa (radicais livres), deixando uma camada de fuligem e cinzas sobre todas as superfícies que sujam os moradores a todo o momento e dificultam sua movimentação e até respiração. Alguns habitantes chegam a escorregar e se machucar seriamente quebrando móveis no processo. Mas, drasticamente ou não, os moradores que voltam das buscas externas, trazem somente lenha, o papel que outrora era abundante, agora acabara de vez...

Desesperados com a nova "ameaça", os moradores jogam, sobressaltados e a contragosto a lenha na lareira. Percebem, cada vez mais alarmados, que é difícil aquela tora grossa e até meio úmida pegar fogo (cetose). As últimas folhas de papel estão no fim e a lenha nem esboça reação à pequena chama restante do papel. Já estavam quase resignados com a morte por congelamento, quando um dos habitantes surge com um machado e começa a cortar uma lenha em vários pedaços, até quase reduzir uma lenha em pequenas lascas. Outro morador junta estas lascas e as joga por sobre o restante das débeis chamas que ainda resistem a falta de papel. Por milagre a chama se transfere para as lascas. Um enorme grupo de habitantes cerca a pequena chama, alimentando-a de lascas cada vez maiores até por fim jogarem uma tora inteira. A tora, no início, parece resistir à chama, mas aos poucos logo se torna brasa, depois, uma chama intensa. O fogo é diferente. Aquece mais que a chama das resmas, com a vantagem de gerar pouca fumaça e menos cinzas. Melhor ainda, finalmente, os habitantes podem descansar um pouco, pois a lenha dura bem mais tempo na lareira, sobrando tempo para os habitantes fazerem outras tarefas. Os alarmes de fome são reduzidos drasticamente. A adaptação inicial pode ter gerado transtornos, mal-estar e preocupação, mas agora os habitantes se consolam percebendo que algo bom viria daquilo tudo. Alguns decidem varrer toda a cinza do papel para fora da casa, outros vão abrir as janelas para ventilar um pouco. Os demais começam a se limpar, trocam de roupa e descansam.

Um dos habitantes, agora mais calmo e podendo pensar, senta-se junto ao fogo e começa a pensar: "Este fogo é mais estável, não acho que seja um bom negócio voltar a queimar papel". Alguém diz:"que pena que o papel acabou, apesar de tudo, eu adorava ver as folhas se dobrando como se sentissem as chamas, na verdade, era terapêutico para mim". Muitos concordaram que a chama da lenha era enfadonha e menos divertida, mas decidiram que o papel deveria ser evitado. O habitante que estava junto ao fogo finalmente diz: "Não se aflijam. Podemos usar pequenas quantidades de papel sempre que quisermos. Mas vamos sempre jogar com algumas lascas de madeira, assim, ela não gerará tanta fumaça e será queimada mais controladamente, e ainda poderemos admirar a sua queima. Mas que nunca mais queimemos quantidades grandes de papel de uma vez, para nosso próprio bem". Todos concordaram.

Um morador questionador viu que aquele ato estranho de queimar madeira, ao invés de papel, colocava os móveis da casa na mesma categoria de combustível para o fogo, uma vez que eram feitos de madeira também.

O morador mais velho e sábio diz: "Para deixar bem claro, nossos móveis em boas condições jamais deverão ser queimados, mesmo se caracterizando como combustível para nosso fogo. Mas há uma exceção. Se a lenha e o papel escassearem (jejum intermitente), queimaremos sim as cadeiras, armários, camas e mesas (corpúsculos celulares danificados). Seria um recurso desesperador, mas sempre poderemos construir outros móveis e para isso teremos que sobreviver", mas nunca queimaremos nossa casa toda (a célula propriamente dita) pois isso sim significaria nossa morte.

Todos outros moradores concordam, afinal, enquanto houver lenha (gordura) abundante seria idiotice sair queimando camas e cadeiras, e os habitantes daquela casa gelada estavam longe de serem burros. Outro ponto: agora não precisamos nos desesperar tanto na busca de papel, pois a lenha dura mais de forma que o alarme fome pode ser reduzido, não aguentava mais aquele barulho de ronco gutural.

Neste momento, o morador sentado junto ao fogo, termina sua longa meditação com o olhar fixo em uma das cadeiras da casa. Finalmente, podendo observar e pensar, percebe que aquela cadeira está sendo comida por cupins (mutação com possibilidade de provocar câncer) e poderá causar acidente se alguém desavisadamente se sentar nela e ela ceder abruptamente. Sem falar na possibilidade de um incauto passante se arranhar em um de seus pregos, que agora estão enferrujados e muitos com pontas apontando para os bordos.

De um salto declara: "Concordo com a preservação dos móveis em condições normais, mas isso não se aplica àquela cadeira cheia de cupim". Todos se voltam para ele que, com o dedo em riste apontando a cadeira, mal respira. De consenso geral, os moradores resolvem quebrá-la para alimentar o fogo com seus pedaços (Autofagia) e apenas depois usar mais lenha, unindo o útil ao agradável, afinal, estávamos agora acostumados a queimar madeira e não mais papel. Na verdade, sobra até algum tempo para os artesãos, agora não tão preocupados nas buscas por papel ou limpeza de fuligem, construírem nova mobília deixando tudo novo em folha e dando um toque de renovação que alegra a todos na casa!

Neste passo, os moradores puderam ter uma vida muito mais produtiva, limpa e feliz. Muitos se dedicaram a limpeza da casa, outros a melhoramentos e outros ainda às artes. Viveram muitos anos, a despeito da escassez daquela região gelada e seu inverno que aparentemente nunca acabaria.

O resumo da ópera é esse: Se os moradores tivessem um suprimento infinito de papel (farinha, massas, pão, doces, sucos), provavelmente, jamais teriam tentado queimar a lenha, o mais sensato seria guardá-la para épocas de escassez em nome da previdência (depósitos de gordura nos tecidos ou localizadas). A lenha se acumularia (obesidade e sobrepeso), a manutenção da lareira por papel consumiria muito tempo e fatigaria cada morador, provavelmente, culminando com a invalidez de muitos, antes mesmo do próprio frio matá-los. Estes habitantes moribundos se tornariam pesos para os demais habitantes incumbidos de os alimentarem a despeito de sua inutilidade (hemoglobina glicada), e para piorar, as cadeiras infestadas de cupim, mais cedo ou mais tarde, fariam vítimas de muitos habitantes incautos que tentariam usá-las, caindo, se machucando e até mesmo sofrendo acidentes fatais. Tudo isso piorado pela imundice causada pela queima incessante do papel gerando um ambiente insalubre cheio de cinzas e fumaça. Apesar de ser ruim, as cadeiras com cupim continuam lá, afinal, o fogo deve ser mantido e seria burrice dedicar tempo aos móveis... Certo dia, no entanto, os cupins se espalham pela casa (metástase) e a casa potencialmente poderia ruir mudando radicalmente o final da história.

No fim, a escasses do papel acabou por salvar a todos naquela cidade de singelas casinhas povoadas por preocupados habitantes que apenas desejavam viver suas vidas com muito calor humano e a tranquilidade de poder sonhar com um futuro sem frio...

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