A morte da dor



Sempre imaginei como seria morrer de dor. Não que eu queira é claro, mas temos que admitir que algumas mortes épicas recheadas de dor ficam na nossa memória por muito tempo. Curiosidade mórbida, talvez.
Como ser vivo e potencial candidato a morrer, confesso que fico impressionado mais do que o normal com a possibilidade de ser "agraciado" com uma morte temperada de dor lancinante. Não me entendam mal, não sou do tipo que tem frescura para dor, na verdade, me considero até bem resistente a esta provação. Felizmente, em minha vida não tive muitas experiências dolorosas extremas, mas já queimei a mão com ferro de passar (deixando um enorme "V" na palma), caí de árvores e muros, levei pedrada na cabeça (a ponto de ser banhado com meu sangue), cortei o pé bem fundo (a ponto de deixar claras pegadas vermelhas no chão), ralei todas as extremidades de membros imagináveis, tive crises renais homéricas, enxaquecas memoráveis e me envolvi em várias brigas com "amigos" da rua, nas quais apanhei bastante, diga-se de passagem. Confesso que nenhuma dessas dores foram agradáveis, mas as suportei bravamente e não tenho traumas delas (pelo menos eu acho). Na verdade, creio que a pior dor que já senti até hoje foi no pós operatório de minha cirurgia de remoção da vesícula por laparoscopia. Devido a complicações da operação, que não detalharei aqui, muitas bolhas de ar ficaram retidas em meu organismo. Estas bolhas, no período de minha recuperação, acabavam andando entre os tecidos do meu corpo dando a sensação de corte ou rasgamento. Vou te falar: doía bastante. Algumas crises eram leves como pontadas pouco prolongadas e outras intensas como facadas profundas e lentas, dignas do deleite de um serial killer. Uma delas subiu lentamente do meu baixo ventre até o pescoço. Você sente claramente algo abrindo caminho por dentro de seu corpo produzindo dor na jornada. A sensação era de que um alien estava migrando para outra parte de meu corpo e quase que você deseja que seu peito se abra apenas para liberar o agente de tanto "desconforto". Durante o longo martírio (deve ter durado alguns segundos - mas foram longos segundos), apenas encolhi o corpo em posição fetal e retraí as mãos como se agarrasse uma bola de tênis invisível em cada uma delas. Nem grito saía, apenas um gemido retido por meus olhos apertados. Quando a bolha de ar atingiu a altura do meu pescoço o alívio veio imediatamente com a cessação total da dor. O alien saíra. Na verdade, a "bolha assassina" deve ter encontrado um canal onde conseguiu se dissipar, para a minha sorte. Foi difícil, mas sobrevivi.
A despeito de nossas experiências pessoais, a gente sempre ouve casos de mortes que pedidos a Deus com todas as forças para nos afastar. Afinal, já imaginaram o que seria ser morto e devorado por um animal selvagem? Aliás, piorando a hipótese: ser devorado até a morte por um animal selvagem. Nesta hipótese o primeiro caso seria uma dádiva. Tudo bem, nós somos seres urbanos sem hábito de usufruir de uma natureza selvagem, ao menos frequentemente. Apenas esse fato colocaria a possibilidade de sermos literalmente comidos no campo da improbabilidade total, correto? Errado. Sem contar as cobras que são as campeãs quando se trata de encontros fatais com seres humanos, a lista de animais que matam vão desde aranhas e escorpiões a enormes ursos pardos (alguns com mais de 600 Kg). Excluo as cobras pois não acho que se enquadra no meu imaginário de mortes lancinantes... Perto de ser devorado vivo, morrer por efeito de veneno é uma benção, seja ele neurotóxico (atua sobre os nervos), miotóxico (atua sobre os músculos), hemotóxico (atua sobre os sangue), citotóxico (atua sobre as células e suas funções), etc.  Agora, ser devorado vivo por um enorme urso, bom, aí já estamos falando de um outro nível de pesadelo. Recentemente (agosto/2015), mais um homem foi morto por um ataque de urso pardo no famoso Parque Nacional de Yellowstone, nos Estados Unidos, sim, no parque do Zé Colméia. Seu corpo foi encontrado parcialmente devorado. O mais estranho é que o homem foi dado como desaparecido por alguns dias, visto que seu corpo foi, literalmente, ocultado. Aparentemente, após o banquete o ursinho tentou esconder o seu "crime". Claro que isso é tudo suposição e não deve ser tomado como fato sem um maior estudo e investigação, mas tudo indica que os ursos do Yellowstone são mais espertos que a maioria dos ursos. Bom, mas voltando à nossa análise, devido a sua superioridade de força incomparável com a do homem, o urso pode não ter muito zelo com uma presa antes de comê-la. Explico: diferentemente de um felino que tem o hábito de atacar no pescoço e sufocar a sua vítima antes de se alimentar, os ursos podem não te considerar uma presa que mereça este cuidado todo, acabando por te devorar vivo ou quase vivo. Se tiver sorte, a fera começará o banquete pela sua cabeça encurtando o sofrimento consideravelmente, se tiver menos sorte, ele começará pela virilha, abdômen ou membros prolongando de forma intolerável e inimaginavelmente a dor.  Morte digna das vistas nos seriados e filmes com morto-vivos sedentos de sangue. Difícil crer que já houve um tempo no qual os romanos iam ao circo para ver homens serem devorados por leões e tigres. A "sorte" dos cristãos era que as feras atacavam o pescoço e matavam antes de comer. Graças a Deus! Claro que a moleza durou pouco e posteriormente foram incluídos não apenas ursos, mas também lobos, rinocerontes, zebras e até elefantes. Era realmente difícil ser cristão naquela época.
E quanto a morrer queimado? Os acidentes aéreos são cheios de histórias de pessoas que sobrevivem à queda mas não ao incêndio que geralmente surge na sequência em função do combustível de alta octanagem que se espalha pela cena do acidente. Há relatos onde testemunhas ouviram pedidos alucinados de socorro vindos do meio da bola de fogo que se torna o avião. Os gritos alucinados vão aos poucos silenciando conforme o fogo consome o corpo das vítimas, passando lentamente de potentes e altos brados a inaudíveis grunhidos semiconscientes. Houve a inquisição, onde supostas bruxas e bruxos foram sistematicamente lançados à fogueira. A morte pelo fogo não é das mais rápidas. O fogo acaba por consumir os tecidos superficiais, depois os nervos e tecidos mais profundos, mas só mata mesmo quando há considerável perda de sangue, levando a vítima a um estado de choque que culmina com a morte, se os gases tóxicos da queima não matarem antes. O processo é incalculavelmente doloroso.
Agora, quer pirar mesmo? Imagine-se como um náufrago à deriva no meio do oceano. Neste cenário, o céu é o limite em matéria de sofrimento. Inclusive as duas hipóteses horríveis de morrer sendo comido vivo por animais, no caso, tubarões; e morrer queimado se considerarmos que um náufrago pode ficar dias e dias sob o sol causticante, sendo literalmente cozido e tendo a pele transformada em torresmo. Some a isso tudo a sede extrema e a incrível quantidade de água imbebível e mortalmente salgada lhe cercando por todos os lados. Beber essa água implica em acelerar a morte por falência renal e, ironicamente, desidratação. E se você dispor de abrigo e água, tem a fome. Ah, a fome. Morrer lentamente de inanição é nada agradável, para dizer o mínimo. Quando falamos de lenta, no caso dos humanos, estamos falando de cerca de dois meses. Nesse período o corpo consome suas reservas de gordura, em seguida músculos e órgãos. Literalmente o seu corpo consome você mesmo em um cruel, lento e doloroso autocanibalismo. Não raro, quando grupos de náufragos compartilham a mesma embarcação, os cadáveres dos que morrem primeiro são comumente comidos pelos sobreviventes. Dependendo do local do naufrágio, também é possível morrer de frio antes das outras possibilidades. Geralmente, os barcos salva-vidas não dispõe de muita proteção contra chuva, neve e vento nem tampouco permite fazer movimentos e exercícios, que produziriam calor natural do corpo, assim acelerando o processo de congelamento. O corpo treme freneticamente e arrepia os pelos, tentando manter o calor remanescente. Depois para totalmente, vem a confusão mental, sonolência e fim. Se algumas das extremidades congelar, advém a dor e quando não dói mais isso só significa que os nervos já eram, ou seja, aquele pedaço seu morreu antes de você. Seria algo como morrer aos poucos, parceladamente. Se o náufrago estiver boiando é mais rápido. Sem com que se apoiar, mesmo sabendo nadar e boiando, logo o corpo se cansa, o ânimo se esgota, o desespero vem até que se consuma goles e mais goles de água e o afogamento se torna inevitável, afinal, o mar aberto não é calmo como uma piscina de clube. Se possuir salva-vidas quase que certo que sua morte será causada pelos tubarões. O olfato desses bichos são lendários. De forma geral eles possuem a sensibilidade que permite detectar concentrações extremamente baixas da ordem de uma parte por milhão. Teoricamente, uma gotinha do seu sangue poderia atrair um tubarão a mais de trezentos metros de distância, claro que se houver correntezas esse valor pode duplicar ou triplicar. Assim, mesmo pequenos sangramentos, menstruação, fezes e urinas serão como a sineta para o jantar dos tubarões, ainda mais se o sino for tocado no fim de tarde ou à noite, horário que a maioria das espécies sai à caça de presas incautas. Daí, para frente, sem um local para refúgio, mesmo ficando imóvel, em grupo, lutando, chegará o momento em que as feras terão seu banquete. Depois da primeira mordida, o sangue atrairá mais e mais tubarões que entrarão em um frenesi alimentar abocanhando pedaços e em seguida sacudindo o corpo para remover o naco até que a presa desapareça por completo deixando apenas uma mancha vermelha boiando no mar.
No fundo, a dor são apenas informações elétricas recebidas por nosso cérebro que avisam que algo em nosso corpo está errado ou muito errado, preservando nossa integridade em última análise. Em Matrix, ela é simulada de maneira que mesmo naquele universo virtual nossas ações gerem dor. Sem a dor o mundo virtual não seria aceito por nós como real. Pensando inversamente, em tese, ela poderia ser ignorada ou desligada, mesmo se nosso corpo fosse destroçado. De fato, muitas pessoas conseguem por autossugestão hipnótica, meditação, treino mental e outros artifícios suportar enormes quantidades de dor. Talvez seja uma boa ideia treinar estas habilidades.
Todos estamos sujeitos a morte atrozes. Resta apenas rezar para que Deus nos reserve não apenas a prometida vida eterna, mas também uma boa morte. Ao seu filho, Jesus esta não foi concedida. Morrer na cruz é um dos martírios humanos dos mais cruéis. A posição dos braços e o apoio nos pés tendem a sufocar o crucificado, comprimindo os pulmões e dificultando o movimento do diafragma, o músculo que os infla com ar. No processo, quando a vítima está quase desfalecendo por sufocamento, o corpo, em um espasmo natural, se retesa. O movimento involuntário permite que uma lufada de ar penetre nos pulmões, impedindo a morte iminente e ampliando o sofrimento do crucificado indefinidamente. O dispositivo é um sofisticado instrumento de tortura baseado em refinado conhecimento biofísico e de engenharia. Misericórdia, meu Jesus, como foi dura sua provação!
Como diz sabiamente o provérbio: - É melhor uma boa morte que uma ruim sorte.
Depois de ponderar estas mortes horríveis vejo o quanto é sábia esta afirmação. Uma boa vida a todos e, quando esta terminar, uma boa morte.

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