Matrix e religiosidade


Como sabemos, a chamada matrix do filme "The Matrix" era uma prisão para sua mente. Um programa de imersão mental que mantinha sua mente saudável enquanto seu corpo boiava serenamente em uma cápsula de captação de bioenergia. Mergulhado nela, uma pessoa normal sequer podia ter consciência de seu cárcere ou de sua real condição de "bateria humana". Tal era a imersão no mundo-simulacro que o cérebro não conseguia distinguir as sensações e experiências virtuais da realidade de fato. Era um sonho vívido. Essencialmente, o mundo da matrix, para a maioria dos humanos, era o mundo real. Apesar de sua onipresença, apesar de ser tudo o que a pessoa tinha e sentia, apesar dela cercar literalmente a pessoa e se apresentar de forma onipresente, a matrix também era, concomitantemente, intangível, intocável, indetectável e invisível.

Ter consciência da matrix inserido nela era uma tarefa que demandava muito mais que fé, demandava também um instinto pessoal de que algo estava errado. A sensação de que algo não se enquadrava naquela "realidade" apresentada aos sentidos.Essa cisma conduzia, por vezes, ao despertar pleno do atormentado sujeito.

Morpheus mesmo afirmara a inúmeros recém despertos que, infelizmente, a matrix não podia ser explicada, mas que a pessoa só acreditaria nela vendo e sentindo por si mesma. Estranhamente sendo recolocado na matrix, contudo, agora ciente de que estava em um ambiente artificialmente criado. Neste momento, o desperto tomava consciência da realidade e de como nossa visão do mundo pode ser equivocada.

Por que será que esta tarefa é tão árdua? Crer no invisível, sem ver de fato, constitui o que chamamos de fé. Somado com aquela sensação de que há algo mais do que a realidade fria e dura do nosso cotidiano. Essa sensação geralmente nos permite crer em coisas que apesar de nos rodear e nos envolver é efetivamente invisível a nossos limitados sentidos. Ao menos nos faz imaginar que talvez haja mais coisas entre o céu e a terra do que supõe nossa vã filosofia.

Independente desta dificuldade, aqueles que, comodamente, se entregavam às imagens vazias criadas pela matrix, estavam fadados a ter uma vida vazia, extremamente ausente de realizações. A eles estava reservado um propósito reduzido a um mero fornecedor de recursos ao seu próprio algoz, no caso, as máquinas. O destino final desta contribuição vitalícia e humilhante era tal qual a de uma bateria velha que, ao descarregar totalmente, é sumariamente descartada sem deixar traços no mundo real.

As escrituras sagradas dizem:

"Ele é a imagem do Deus invisível, o primogênito de toda a criação,
pois nele foram criadas todas as coisas nos céus e na terra, as visíveis e as invisíveis, sejam tronos ou soberanias, poderes ou autoridades; todas as coisas foram criadas por ele e para ele.
Ele é antes de todas as coisas, e nele tudo subsiste."

Colossenses 1:15-17

Seria Deus uma espécie de matrix? Afinal, a passagem citada poderia muito bem ser atribuída à Matrix do ponto de vista da "bateria-humana", contudo, em um sentido mais tétrico do criador.

Deus surgiu antes de toda a criação, sendo ele próprio o primogênito, ou seja, aquele que nasceu primeiro, aquele que primeiro surgiu. Aquele que tudo criou, tanto aquilo do que podemos ver quanto o que não podemos, por algum  motivo. Criou toda a estrutura de poder, soberanias, tronos e autoridade. Tudo foi criado por ele e para ele. Ou seja, toda a criação serve a ele de alguma forma. E, o mais interessante, tudo que foi criado subsiste graças a ele. Este Deus-matrix é também o suporte que mantém a existência e a realidade como conhecemos, ainda que esta realidade possa não nos ser percebida em sua plenitude.

Subsistir em Deus, talvez tenha este sentido de apoio. De chão sob os pés. E ter esta consciência nos livraria de uma vida fadada a falsas conquistas e realizações.

Gostei muito do sentido de Deus como chão sob nossos pés, afinal, começamos a vida sem força e equilíbrio, contudo, plenos de pureza e inocência, e isso nos aproxima no chão. Aos poucos engatinhamos aprendendo sobre a realidade do mundo. Em pouco tempo estamos cambaleantes caminhando sob dois pés, loucos por atestarmos nossa sabedoria própria e independência. Daí é um pulo para nos firmarmos e, cada vez mais, crescer. Entretanto, este crescimento proporciona distanciamento deste chão acolhedor. Vale dizer que sempre que caímos nos aproximamos do chão. Vivemos nossa vida achando que devemos estar sempre de pé, sem entender que se ajoelhar não é humilhante mas sim uma aproximação do "Deus-chão". Com a velhice, nos encurvamos, encolhemos pelo peso dos anos sentindo este chão se aproximar ainda mais. Por vezes, utilizamos bengala, aumentando este contato. Por vezes, uma cadeira de rodas que também nos aproxima. No leito de morte, derradeiramente nos aproximamos mais uma vez deste chão, por fim, nos deitando sobre ele eternamente. Neste instante, nos reconectamos a ele nos tornando também parte do chão.

Talvez, precisemos aprender a nos deitarmos neste chão e nos curvarmos sobre ele mais cedo sem que a sabedoria dos anos nos pese e nos arqueie criando uma situação compulsória. Talvez a verdadeira sabedoria seja que desde cedo nos deitemos neste chão, sem orgulho, sem cobrança, sem temor. E este contato talvez nos aproxime da verdadeira realidade nos afastando, definitivamente, das ilusões da nossa própria matrix.

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